quarta-feira, maio 07, 2008

Um incenso aceso, um espelho, uma câmera e uma mulher...


...De repente Sônia apareceu junto dele. Aproximou-se com um passo quase imperceptível e sentou-se ao seu lado. Ainda era muito cedo; corria ainda a frescura matinal(...) O seu rosto mostrava ainda sinais da doença, emagrecera, estava pálida, de feições vincadas. Sorriu-lhe afetuosa e alegremente, mas, como de costume estendeu-lhe timidamente a mão. Estendia-lhe sempre a mão com timidez, às vezes nem chegava quase a dar-lhe completamente, como se receasse um insucesso. Ele lhe aceitava sempre a mão como se o fizesse de má vontade, parecia sempre acolhê-la com contrariedade, às vezes conservava um silêncio obstinado durante todo o tempo da sua visita. E então ela tremia diante dele e partia profundamente entristecida. Mas, agora, suas mãos não se soltaram; ele lhe lançou um olhar rápido; não disse nada e baixou os olhos. Estavam sós, ninguém os via. A sentinela tinha-se afastado naquele momento.
Como aquilo foi, ninguém o sabia, mas derrepente, houve qualquer coisa que pareceu apoderar-se dele e fez com que ele se deitasse aos pés dela. Chorava e abraçava os seus joelhos. No primeiro momento ela ficou muito assustada e o seu rosto tornou-se paracido com o de uma morta. Saltou do seu lugar e, toda a tremer, ficou olhando para ele. Mas compreendeu tudo, imediatamente naquel mesmo instante. Nos seus olhos brilhou uma infinita felicidade; compreendia, e para ela já não havia dúvida de que ele a amava infinitamente, e que chegara finalmente o momento.
Quiseram falar, mas não lhes foi possível; havia lágrimas nos seus olhos. Estavam ambos pálidos e abatidos; mas naquele s rostos doentios e pálidos brilhava já a aurora de um renovado futuro, de uma plena ressurreição para a nova vida.

Trecho do livro "Crime e castigo", Dostoiévisk

sábado, maio 03, 2008

O copo fundo

O fundo do copo fundo reflete o meu semblante.
Não tão doce como o suco que me adoça a boca,
Não tão vivo como o movimento das suas gotas
Apenas, tanto quanto eu do fundo do copo, distante.

Tenho o controle do copo,
Mas sinto-me escorrer por entre meus dedos
Tal qual fluido que pela minha garganta escoa.

O conteúdo do copo está acabando
Em alguns segundos ele estará vazio
Vazio como o meu semblante agora

Permito-me esvaziar-me de mim mesmo
Procurarei mais tarde no espelho
A imagem que no fundo do copo se perdeu
Procurarei-me em algum lugar que não em mim.

As ultimas gotas levaram consigo cada pedaço do meu aspecto
Agora nada mais é doce,
Nada mais é calmo,
Apenas vazio
Meu semblante, a poesia, o copo...

quinta-feira, maio 01, 2008

E se a mim só me restam silêncios
É em silêncio que exorciso minha dor...