sábado, dezembro 31, 2011

O ultimo

Como se comportar no ultimo dia do ano? A gente acorda diferente? Deveria acordar? Vejo pessoas fazendo planos para o dia, um almoço, um jantar, um encontro com os amigos. Alguns ja amanhecem o dando adeus ao ano que ainda esta respirando. E o dia amanhece com sol timido, encoberto por entre nuvens, mas com cara de dia normal. Seria mesmo o ultimo dia do ano um dia especial? Ontem estava a pensar a respeito do ultimo. Mas do ultimo qualquer coisa. Aquele ultimo consciente, premeditado, intencional. Será que isso inspira um capricho a mais? O ultimo por do-sol, o ultimo banho de mar, o ultimo telefonema, a ultima viagem, a ultima aquisição, o ultimo adeus. Este ano dei alguns "adeus" sem saber que seriam os ultimos, mas quem o saberá? A gente começa a fazer promessas, muitas vezes estranhas e sem sentido. O ultimo pensamento, por exemplo. Hoje é a ultima vez que penso nele, hoje é a ultima vez que penso em fazer este absurdo. Hoje é a ultima vez que permitirei que estas lembranças me invadam pensamento. Ja fiz diversas ultimas coisas do ano sem saber que estavam ali, sendo as ultimas de fato. O ultimo abraço, a ultima experiencia do sabor. O ultimo telefonema. A ultima vez que vesti aquele vestido florido, que o vento ameaça levantar quando passa. A ultima vez que caminhei por aquela calçada. Hoje quero dar o ultimo mergulho no mar do ano, ja que as águas quentes da Bahia tornam este mergulho mais agradável. Eu, mesmo sem querer, comecei a elaborar uma lista na minha cabeça das coisas que pretendo realizar e abandonar ano que vem....não sei se vale a pena escreve-las. Hoje é o ultimo dia que digo que tenho 29 anos, e o que significa trocar de idade? A gente amanhece mais maduro simplesmente por que um ciclo se fechou? E o que muda no universo quando a mudança do calendário compreende também a mudança no ultimo digito que compõe a data? O sol continua lá, no centro de tudo, ou pelo menos de tudo que conheço. O amor aos meus permanece lá, no centro do peito. As memórias continuam lá, algumas vão se tornando menos centrais. E esse meu EU, poderia ficar mais periférico também. De que maneira eu poderia me doar, meu Deus?!! A chegada de um novo ano é uma ótima desculpa para começar, como aquelas dietas que sempre são aguardadas para começar na segunda-feira. Mas essas promessas vão se dissipando à medida que o calendário vai virando a folha. A gente se surpreende com as coincidências ou sincronicidades da vida. "Poe teu barco no grande rio e deixai-o mover-se". Eu não quero promessas para 2012 e quero esquecer que hoje é o ultimo dia do ano. Meu banho de mar será mais livre, o meu trintar mais tenue e a minha vida mais amor....

sexta-feira, dezembro 23, 2011

O Búfalo - Clarice Lispector

Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranqüilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. "Mas isso é amor, é amor de novo", revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e dois leões se tinham amado. Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas. Continuou a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na frescura de uma cova.
Mas a girafa era uma virgem de tranças recém-cortadas. Com a tola inocência do que é grande e leve e sem culpa. A mulher do casaco marrom desviou os olhos, doente, doente. Sem conseguir — diante da aérea girafa pousada, diante daquele silencioso pássaro sem asas — sem conseguir encontrar dentro de si o ponto pior de sua doença, o ponto mais doente, o ponto de ódio, ela que fora ao Jardim Zoológico para adoecer. Mas não diante da girafa que mais era paisagem que um ente. Não diante daquela carne que se distraíra em altura e distância, a girafa quase verde. Procurou outros animais, tentava aprender com eles a odiar. O hipopótamo, o hipopótamo úmido. O rolo roliço de carne, carne redonda e muda esperando outra carne roliça e muda. Não. Pois havia tal amor humilde em se manter apenas carne, tal doce martírio em não saber pensar. Mas era primavera, e, apertando o punho no bolso do casaco, ela mataria aqueles macacos em levitação pela jaula, macacos felizes como ervas, macacos se entrepulando suaves, a macaca com olhar resignado de amor, e a outra macaca dando de mamar. Ela os mataria com quinze secas balas: os dentes da mulher se apertaram até o maxilar doer. A nudez dos macacos. O mundo que não via perigo em ser nu. Ela mataria a nudez dos macacos. Um macaco também a olhou segurando as grades, os braços descarnados abertos em crucifixo, o peito pelado exposto sem orgulho. Mas não era no peito que ela mataria, era entre os olhos do macaco que ela mataria, era entre aqueles olhos que a olhavam sem pestanejar. De repente a mulher desviou o rosto: é que os olhos do macaco tinham um véu branco gelatinoso cobrindo a pupila, nos olhos a doçura da doença, era um macaco velho — a mulher desviou o rosto, trancando entre os dentes um sentimento que ela não viera buscar, apressou os passos, ainda voltou a cabeça espantada para o macaco de braços abertos: ele continuava a olhar para a frente. "Oh não, não isso", pensou. E enquanto fugia, disse: "Deus, me ensine somente a odiar."
"Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? Andou pelo Jardim Zoológico entre mães e crianças. Mas o elefante suportava o próprio peso. Aquele elefante inteiro a quem fora dado com uma simples pata esmagar. Mas que não esmagava. Aquela potência que no entanto se deixaria docilmente conduzir a um circo, elefante de crianças. E os olhos, numa bondade de velho, presos dentro da grande carne herdada. O elefante oriental. Também a primavera oriental, e tudo nascendo, tudo escorrendo pelo riacho.
A mulher então experimentou o camelo. O camelo em trapos, corcunda, mastigando a si próprio, entregue ao processo de conhecer a comida. Ela se sentiu fraca e cansada, há dois dias mal comia. Os grandes cílios empoeirados do camelo sobre olhos que se tinham dedicado à paciência de um artesanato interno. A paciência, a paciência, a paciência, só isso ela encontrava na primavera ao vento. Lágrimas encheram os olhos da mulher, lágrimas que não correram, presas dentro da paciência de sua carne herdada. Somente o cheiro de poeira do camelo vinha de encontro ao que ela viera: ao ódio seco, não a lágrimas. Aproximou-se das barras do cercado, aspirou o pó daquele tapete velho onde sangue cinzento circulava, procurou a tepidez impura, o prazer percorreu suas costas até o mal-estar, mas não ainda o mal-estar que ela viera buscar. No estômago contraiu-se em cólica de fome a vontade de matar. Mas não o camelo de estopa. "Oh Deus, quem será meu par neste mundo?"
Então foi sozinha ter a sua violência. No pequeno parque de diversões do Jardim Zoológico esperou meditativa na fila de namorados pela sua vez de se sentar no carro da montanha-russa. E ali estava agora sentada, quieta no casaco marrom. O banco ainda parado, a maquinaria da montanha-russa ainda parada. Separada de todos no seu banco, parecia estar sentada numa Igreja. Os olhos baixos viam o chão entre os trilhos. O chão onde simplesmente por amor — amor, amor, não o amor! — onde por puro amor nasciam entre os trilhos ervas de um verde leve tão tonto que a fez desviar os olhos em suplício de tentação. A brisa arrepiou-lhe os cabelos da nuca, ela estremeceu recusando, em tentação recusando, sempre tão mais fácil amar.
Mas de repente foi aquele vôo de vísceras, aquela parada de um coração que se surpreende no ar, aquele espanto, a fúria vitoriosa com que o banco a precipitava no nada e imediatamente a soerguia como uma boneca de saia levantada, o profundo ressentimento com que ela se tornou mecânica, o corpo automaticamente alegre — o grito das namoradas! — seu olhar ferido pela grande surpresa, a ofensa, "faziam dela o que queriam", a grande ofensa — o grito das namoradas! — a enorme perplexidade de estar espasmodicamente brincando faziam dela o que queriam, de repente sua candura exposta. Quantos minutos? os minutos de um grito prolongado de trem na curva, e a alegria de um novo mergulho no ar insultando-a com um pontapé, ela dançando descompassada ao vento, dançando apressada, quisesse ou não quisesse o corpo sacudia-se como o de quem ri, aquela sensação de morte às gargalhadas, morte sem aviso de quem não rasgou antes os papéis da gaveta, não a morte dos outros, a sua, sempre a sua. Ela que poderia ter aproveitado o grito dos outros para dar seu urro de lamento, ela se esqueceu, ela só teve espanto.
E agora este silêncio também súbito. Estavam de volta à terra, a maquinaria de novo inteiramente parada.
Pálida, jogada fora de uma Igreja, olhou a terra imóvel de onde partira e aonde de novo fora entregue. Ajeitou as saias com recato. Não olhava para ninguém. Contrita como no dia em que no meio de todo o mundo tudo o que tinha na bolsa caíra no chão e tudo o que tivera valor enquanto secreto na bolsa, ao ser exposto na poeira da rua, revelara a mesquinharia de uma vida íntima de precauções: pó de arroz, recibo, caneta-tinteiro, ela recolhendo no meio-fio os andaimes de sua vida. Levantou-se do banco estonteada como se estivesse se sacudindo de um atropelamento. Embora ninguém prestasse atenção, alisou de novo a saia, fazia o possível para que não percebessem que estava fraca e difamada, protegia com altivez os ossos quebrados. Mas o céu lhe rodava no estômago vazio; a terra, que subia e descia a seus olhos, ficava por momentos distante, a terra que é sempre tão difícil. Por um momento a mulher quis, num cansaço de choro mudo, estender a mão para a terra difícil: sua mão se estendeu como a de um aleijado pedindo. Mas como se tivesse engolido o vácuo, o coração surpreendido. Só isso? Só isto. Da violência, só isto.
Recomeçou a andar em direção aos bichos. O quebranto da montanha-russa deixara-a suave. Não conseguiu ir muito adiante: teve que apoiar a testa na grade de uma jaula, exausta, a respiração curta e leve. De dentro da jaula o quati olhou-a. Ela o olhou. Nenhuma palavra trocada. Nunca poderia odiar o quati que no silêncio de um corpo indagante a olhava. Perturbada, desviou os olhos da ingenuidade do quati. O quati curioso lhe fazendo uma pergunta como uma criança pergunta. E ela desviando os olhos, escondendo dele a sua missão mortal. A testa estava tão encostada às grades que por um instante lhe pareceu que ela estava enjaulada e que um quati livre a examinava.
A jaula era sempre do lado onde ela estava: deu um gemido que pareceu vir da sola dos pés. Depois outro gemido.
Então, nascida do ventre, de novo subiu, implorante, em onda vagarosa, a vontade de matar — seus olhos molharam-se gratos e negros numa quase felicidade, não era o ódio ainda, por enquanto apenas a vontade atormentada de ódio como um desejo, a promessa do desabrochamento cruel, um tormento como de amor, a vontade de ódio se prometendo sagrado sangue e triunfo, a fêmea rejeitada espiritualizara-se na grande esperança. Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? o ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? Onde aprender a odiar para não morrer de amor? E com quem? O mundo de primavera, o mundo das bestas que na primavera se cristianizam em patas que arranham mas não dói... oh não mais esse mundo! não mais esse perfume, não esse arfar cansado, não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida — deu um gemido áspero e curto, o quati sobressaltou-se — enjaulada olhou em torno de si, e como não era pessoa em quem prestassem atenção, encolheu-se como uma velha assassina solitária, uma criança passou correndo sem vê-la.
Recomeçou então a andar, agora pequena, dura, os punhos de novo fortificados nos bolsos, a assassina incógnita, e tudo estava preso no seu peito. No peito que só sabia resignar-se, que só sabia suportar, só sabia pedir perdão, só sabia perdoar, que só aprendera a ter a doçura da infelicidade, e só aprendera a amar, a amar, a amar. Imaginar que talvez nunca experimentasse o ódio de que sempre fora feito o seu perdão, fez seu coração gemer sem pudor, ela começou a andar tão depressa que parecia ter encontrado um súbito destino. Quase corria, os sapatos a desequilibravam, e davam-lhe uma fragilidade de corpo que de novo a reduzia a fêmea de presa, os passos tomaram mecanicamente o desespero implorante dos delicados, ela que não passava de uma delicada. Mas, pudesse tirar os sapatos, poderia evitar a alegria de andar descalça? Como não amar o chão em que se pisa? Gemeu de novo, parou diante das barras de um cercado, encostou o rosto quente no enferrujado frio do ferro. De olhos profundamente fechados procurava enterrar a cara entre a dureza das grades, a cara tentava uma passagem impossível entre barras estreitas, assim como antes vira o macaco recém-nascido buscar na cegueira da fome o peito da macaca. Um conforto passageiro veio-lhe do modo como as grades pareceram odiá-la opondo-lhe a resistência de um ferro gelado.
Abriu os olhos devagar. Os olhos vindos de sua própria escuridão nada viram na desmaiada luz da tarde. Ficou respirando. Aos poucos recomeçou a enxergar, aos poucos as formas foram se solidificando, ela cansada, esmagada pela doçura de um cansaço. Sua cabeça ergueu-se em indagação para as árvores de brotos nascendo, os olhos viram as pequenas nuvens brancas. Sem esperança, ouviu a leveza de um riacho. Abaixou de novo a cabeça e ficou olhando o búfalo ao longe. Dentro de um casaco marrom, respirando sem interesse, ninguém interessado nela, ela não interessada em ninguém.
Certa paz enfim. A brisa mexendo nos cabelos da testa como nos de pessoa recém-morta, de testa ainda suada. Olhando com isenção aquele grande terreno seco rodeado de grades altas, o terreno do búfalo. O búfalo negro estava imóvel no fundo do terreno. Depois passeou ao longe com os quadris estreitos, os quadris concentrados. O pescoço mais grosso que as ilhargas contraídas. Visto de frente, a grande cabeça mais larga que o corpo impedia a visão do resto do corpo, como uma cabeça decepada. E na cabeça os cornos. De longe ele passeava devagar com seu torso. Era um búfalo negro. Tão preto que à distancia a cara não tinha traços. Sobre o negror a alvura erguida dos cornos.
A mulher talvez fosse embora mas o silêncio era bom no cair da tarde.
E no silêncio do cercado, os passos vagarosos, a poeira seca sob os cascos secos. De longe, no seu calmo passeio, o búfalo negro olhou-a um instante. No instante seguinte, a mulher de novo viu apenas o duro músculo do corpo. Talvez não a tivesse olhado. Não podia saber, porque das trevas da cabeça ela só distinguia os contornos. Mas de novo ele pareceu tê-la visto ou sentido. A mulher aprumou um pouco a cabeça, recuou-a ligeiramente em desconfiança. Mantendo o corpo imóvel, a cabeça recuada, ela esperou.
E mais uma vez o búfalo pareceu notá-la.
Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira, desviou subitamente o rosto e olhou uma árvore. Seu coração não bateu no peito, o coração batia oco entre o estômago e os intestinos. O búfalo deu outra volta lenta. A poeira. A mulher apertou os dentes, o rosto todo doeu um pouco.
O búfalo com o torso preto. No entardecer luminoso era um corpo enegrecido de tranqüila raiva, a mulher suspirou devagar. Uma coisa branca espalhara-se dentro dela, branca como papel, fraca como papel, intensa como uma brancura. A morte zumbia nos seus ouvidos. Novos passos do búfalo trouxeram-na a si mesma e, em novo longo suspiro, ela voltou à tona. Não sabia onde estivera. Estava de pé, muito débil, emergida daquela coisa branca e remota onde estivera. E de onde olhou de novo o búfalo.
O búfalo agora maior. O búfalo negro. Ah, disse de repente com uma dor. O búfalo de costas para ela, imóvel. O rosto esbranquiçado da mulher não sabia como chamá-lo. Ah! disse provocando-o. Ah! disse ela. Seu rosto estava coberto de mortal brancura, o rosto subitamente emagrecido era de pureza e veneração. Ah! instigou-o com os dentes apertados. Mas de costas para ela, o búfalo inteiramente imóvel.
Apanhou uma pedra no chão e jogou para dentro do cercado. A imobilidade do torso, mais negra ainda se aquietou: a pedra rolou inútil.
Ah! disse sacudindo as barras. Aquela coisa branca se espalhava dentro dela, viscosa como uma saliva. O búfalo de costas.
Ah, disse. Mas dessa vez porque dentro dela escorria enfim um primeiro fio de sangue negro. O primeiro instante foi de dor. Como se para que escorresse este sangue se tivesse contraído o mundo. Ficou parada, ouvindo pingar como numa grota aquele primeiro óleo amargo, a fêmea desprezada. Sua força ainda estava presa entre barras, mas uma coisa incompreensível e quente, enfim incompreensível, acontecia, uma coisa como uma alegria sentida na boca. Então o búfalo voltou-se para ela.
O búfalo voltou-se, imobilizou-se, e à distância encarou-a.
Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao búfalo.
Enfim provocado, o grande búfalo aproximou-se sem pressa.
Ele se aproximava, a poeira erguia-se. A mulher esperou de braços pendidos ao longo do casaco. Devagar ele se aproximava. Ela não recuou um só passo. Até que ele chegou às grades e ali parou. Lá estavam o búfalo e a mulher, frente à frente. Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos.
E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos. E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo. Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lentamente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada com o ódio com que o búfalo, tranqüilo de ódio, a olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro e um búfalo.

domingo, setembro 25, 2011

Hoje (na verdade, ha un dias atras) foi a minha primeira entrevista de emprego. Depois de 5 anos de formada, esta foi a minha primeira entrevista de emprego. E estava nevosa, nervosissima, acho que até mais que os proprios entrevistados.

O processo começou com a avaliação dos curriculos e históricos escolares - os candidatos eram pra vaga de estagiário. Eram apenas 4. Lembro que a menina do RH me perguntou sobre os históricos, e eu afirmei que nem estava dando importancia pra isso, estava focando nos curriculos. "Mas faz parte da politica da empresa, vc precisa considerar o histórico". Histórico escolar, isso nunca foi meu forte na minha era universitária. Tudo começou quando, no primeiro semestre, eu achava que proceder da mesma forma que na época colegial iria funcionar. Prestar atenção a aula, fazer minhas anotações e dar uma revisada antes da prova quase sempre resultava em notas acima de 8. Mas na faculdade o buraco era mais em baixo e o resultado foi porrada no primeiro semestre (o que nao mudou muito nos semestres subsequentes, rs). Aliás, a maioria da minha trup não tinha como forte notas bonitinhas no histórico e hoje vejo neles excelentes profissionais, nos quais confio plenamente, Iuri Fraga, Taís Bispo e Antonio Luis, por exemplo.

Mas sim, voltando aos estagiários...a primeira coisa que olhei foi o curriculo, e, coincidencia ou não, os que mais me chamaram atenção foram aqueles que tinham as melhores notas. Como era a minha primeira vez, tinha que me preparar, saber o que queria avaliar e de que maneira iria fazê-lo. Fiz um roteirinho.

-Me apresentar, falar um pouco da empresa: A voz saia tremula, e acho ate que falei de mais
-Pedir para que ele se apresentasse, falando de caracteristicas pessoais, por que escolheu engenharia quiica, disciplinas que mais se identificou, o que gosta de fazer nas horas vagas: Incrivel como, a maioria deles havia escolhido engenharia quimica por que gostava de quimica, o que me fez complementar com a pergunta se não havia rolado uma decepção...por que é tanta matemaica e fisica, que a quimica fica em segundo plano
-Perguntar qual a ideia dele sobre projetos de engenharia: Todos eles tinham uma noção igual, bem distante do que de fato é o segmento de projeto para um engenheiro quimico
-Explicar como seria o trabalho deles, como funciona o desenvolvimento de um projeo, a interface entre as disciplinas, bla, bla, bla...
-Conversar sobre experiencias descritas no curriculo
-E uma perguntinha técnica, sem muitos detalhes pra não intimidar (Sempre me sentia intimidada com perguntas técnicas nas minhas entrevistas)
-E a pergunta final: A vaga te interessa??

É ótimo estar do outro lado. Ler as pessoas e ouvi-las além das palavras. Perceber o movimento das mãos, dos olhos, a respiração. Uma plavra que demonstra a insegurança, ou a maturidade do pretendente à vaga.

A menina que tinha notas baixas e muitas repetencias, me surpreendeu com a conversa, o que superou os numeros que a condenavam no histórico escolar. Mas a grande coincidencia foi o garoto, com otimo curriculo, otimas notas, aperto de mão seguro que na entrevista so comprovou o que os numeros dziam.

Ao perguntá-lo se havia alguma duvida ou pergunta, ele me perguntou sobre a possibilidade de contratação.

Foi ele o escolhido. Amanhã ele começa conosco e estou ansiosa para saber se fiz a escolha certa.

quarta-feira, julho 13, 2011

Estar apaixonada é sentir frio na barriga quando pensa nele,
E sentir frio na barriga o tempo todo,
Por que é nele que se pensa o tempo todo...

segunda-feira, julho 04, 2011

Engraçado, quando olho para a minha unha, agora sem manchas de sangue pisado, eu penso: Nossa, cresceu tão rápido! Mas hoje, relendo algo que escrevi alguns dias depois do acidente, percebo que não é tão pouco tempo assim. O tempo passou mesmo, e eu nem percebi. O tempo está passando, voando. Contraído pela ressonancia Schulman, imprensado pelas obrigações de "ser alguem na vida", 'construir o futuro'. Não, este não é um preludio de mais uma crise acompanhada da vontade de jogar tudo pra cima e tirar um tempo para mim. Aliás, esta fase minha que se inicia é muito mais de criar raizes. Mas é apenas uma constatação de que o tempo está passando. Minha sobrinha já está enorme, vai cruzar o oceano atlantico sozinha, acompanhada de uma desconhecida aeromoça. A minha pequena já começa a balbuciar as primeiras palavras. O coração vai dando sinais de cura. Aquela vontade de conhecer uma cidade se transformou em um "se mudar para aquela cidade". Meus cabelos crescem e eu os corto. O sol vai imprimindo marcas na minha face. Uma gripe me abate e o corpo se reabilita. Eu estava tão ansiosa esperando o verão e daqui a pouco já termina o inverno. Estranhos estes dias. melancolia e introspecção...

terça-feira, junho 14, 2011

Ventos de mudanças soprando
E me levando,
E eu me deixando levar

Viva o movimento da vida!
Viva a felicidade!
Viva a roda da vida posta à girarr

La-ra-ra.....

quinta-feira, abril 28, 2011

A menina que devorou um livro.

Cheguei, não apenas à página 400, mas precisamente à 478
Me acabando de chorar, como ha tempos não acontece, nem com um bom filme.
Não sei se é bom ou ruim terminar um livro bom
Ja estou com saudades de Liesel, Rudy, Hans e da rua himmel...

segunda-feira, abril 25, 2011

O que eu faço?
Faço conta de somar, multiplicar, subtrair
Faço poesia
Faço rabiscos no papel quando falo ao telefone
Faço feijão [e o como com farinha e pimenta]
Faço o caminho do onibus quando desconheço a melhor rota para chegar
Faço de conta que não quero, quando quero sem poder
Faço viagens incriveis
Faço filtro dos sonhos
Faço da imaginaçao um trampolim
faço varios tipos de mim
Faço malabares [com cores, com fogo, com luz...]
Faço votos de felicidades aos que amo
Faço confusão com os meus pensamentos
Faço um nó no cabelo, quando me aperta o calor
Faço minhas as palavras dos sábios quando nao sei bem o que dizer, as vezes calo [silencio tambem eu sei fazer]
Faço escolhas erradas
Faço reclamações
Faço versos com bolhas de sabão
Faço questão de ver Lenine tocar
Faço careta quando me arrancam dos poros os pelos
Faço listas pra não esquecer
Faço planos [realizo, transformo, abandono]
Faço bobagens [e falo também]
Faço festa quando meu cão me recebe em festa
Faço fantasia para vesti-la, mesmo quando nao é carnaval
Faço e desfaço,
Faço tudo o que faz uma pessoa normal...

domingo, abril 24, 2011

O ocio de um domingo pós-feriado.

É que tem dias em que a gente está a fim [ou não...]
Hoje, por exemplo, não é dia de arrumar as gavetas
Não há folego!
Não é dia de reler cartas antigas de amor
Não as tenho, tampouco
Como, por um estimulo que nao posso hamar de fome [nem de dor]
Eu quero mesmo é chegar na página 400 da Alemanha gelada de 41...

quinta-feira, março 31, 2011

E se for mesmo dicotomia??


Receita para parar de amar existe? E pra deixar de ficar triste? Não, acho que não...a receita é deixar doer, deixar a tristeza percorrer o espectro das emoções humanas, deixar amar ate gastar o amor, mesmo que ele se gaste só de ser, de ser amor – seria isso um desgaste? Lembro de uma aula de termodinamica com Ernesto, meu ídolo. Ele descrevia um tanque, com uma alimentação e uma descarga...foi transcorrendo...ate chegar a hipotese de que, quando a corrente de alimentação fosse igual à da descarga, o nivel do tanque ficaria constante e foi lá, com seu pincelzinho na boca, pensando e desenvolvendo as equações de equilibrio até que afirmou: No equilibrio, ha ausencia de movimento (não exatamente com estas palavras, mas com este teor). Quando eu perguntei se ele estava se referindo apenas ao equilibrio estático, uma vez em que numa molecula existe equilibrio, e simultaneamente o movimento infinito dos eletrons e o escambal...ele me respondeu: “É preciso fazer algumas considerações, ou ignorar outras, para definir o equilibrio, quer ver um exemplo? Não dizem que Deus é onisciente? Então ele é desequilibrado, pois é impossivel saber de todas as coisas e ainda assim manter o equilíbrio”. Brincadeiras (ou blasfemias) à parte, isso foi muito aplicado na minha vida, em muitas situações. Será mesmo o equilibrio e a ignorancia uma dicotomia? A ignorancia é muitas vezes conveniente, mas a quem se pretende enganar? Ha duas semanas Darci apertou o meu dedo midinho na porta do carro, antes das 6h da manhã. Até hoje o tenho roxo. Sabe o que é dor?? Daquelas que dói na alma, adormece o corpo...dá um friozinho na barriga, uma fraqueza nas pernas (quem nunca prendeu o dedo na porta de casa, do caro, de saja lá onde for?). Eu tive que ir suportando, ate chegar no trabalho, parecia não existir dor maior. Hoje eu olho pra ele, apertando a tecla shift do teclado toda vez que eu inicio um parágrafo. Não dói! Nenhum resquício dela, além da rouxidão. Daqui a umas semanas nem isso mais existirá. É um processo, eu sei...a unha vai crescendo, até cair. Legal, a dor passa, mas e daí? significa que eu vou andar por aí enfiando meus dedos nas portas dos carros ou casa, ou guarda-roupas, para machucá-la só por que eu sei que a dor vai passar? Não, mas da próxima vez que acontecer, eu já sei que não é dor pra vida inteira. Não é tristeza pra vida inteira, não é amor pra vida inteira...o amor vai amando até ficar rouxo de tanto amar, e cair. Hoje está na moda falar sobre equilíbrio -não aquele termodinâmico do tanque com alimentação e descarga de iguais vazões e blá, blá, blá-é um tal de equilíbrio corpo e mente, de vida profissional com vida pessoal, equilibrio das emoções...eu já ia escrever aqui foda-se o equilíbrio! Mas não, vou amenizar dizendo que prefiro ser como deus (aquele ao qual Ernesto se referiu). O meu momento é mais propicio a dizer não á ignorância, e se estas são opções mutuamente excludentes, eis aqui a mais nova desequilibrada do planeta! Desequilibrada e feliz, por escolher não ignorar, não fechar os olhos, não relevar, não aceitar apenas para não furar nenhuma premissa e conseguir formular a minha hipótese. Meu tanque está com a válvula da corrente de alimentação trancada. Estou eliminando todo o inventário. Deixa limpar, deixa limpar....eu gosto de ver a água escorrrendo, e com ela todas aquelas sensações de que...ahhhh....

sábado, março 19, 2011

Lembrar-se (Texto escrito em 14/08/2003)

É estranho como as pessoas que a gente gosta vão embora. Estranho como elas aparecem derrepente e se vão sem um por que. O que a vida nos quer ensinar com isto? Talvez seja um equivoco pensar e desejar que as coisas nunca se acabem, que as pessoas nunca se vão. Mas todas as coisas duram o tempo do eternamente. E o eterno é bem maior que o pra sempre, não cabe nos limites do infinito, está além dos contornos do infindável. Mas mesmo assim é estranho! Alguns vão embora para que outros apaereçam. Porém em que momento da vida a gente desperta para o significado da partida ou chegada de alguém? E se ninguem pode jamais ser substituído, que justificativa louca esta...Se todas as coisas fossem imutáveis e perenes as lembranças não teriam espaço, nao teriam luz. É bom lembrar, mas é tão melhor quando se está perto. A gente até que se acostuma a ficar sem , mas as vezes bate uma saudade, uma vontade de estar...Um amigo distante, um amor incompleto, um sono, um sabor...Hoje vi alguns sorrisos, pesoas especiais, pessoas pra vida inteira, mas que, sem porque, se foram. Tantas outras já vieram, mas seus lugares continuam lá. É estranho demais esconder esta estranheza e assistir a guerra entre o lutar e o conformar-se. Eu simplismente não entendo por que as pessoas derrepente se vão! Talvez por que elas realmente não devessem ficar, mas está além da minha capacidade entender a complexidade das relações. Será que estar perto é sempre preciso? Que os sentimentos precisam dos sentidos? A estima, a amizade, o querer bem...O ser humano se fortalece quando tem alguém, mas por que ele rejeita tanto, não conserva, não mantém...E o que dizer da morte então? saber que aquele alguém jamais vai voltar. Aceitar que um abraço se transformou num aceno de mão, que uma vida inteira de segredos se contraiu num bom dia, que a afeição se inibiu, se acorrentou, se corroeu. Não acredito que ninguém esquece. Ninguém esquece jamais! As pessoas simplismente retiram seres, coisas e fatos das suas memórias imediatas e as arquivam naquele cantinho, que embora não frequentemente acessado é facilmente acessível. Ou elas simplismente aceitam o fato de apenas poder lembrar. Indiferença, medo, fraqueza, ou simplismente por se acostumar. Frieza e sensibilidade convivem sempre juntas no mesmo coração.

O ser humano é um irremediável universo paradoxal.! Lembrar-se. Lembrar-se é inevitável. Enquanto viver, o ser humano lembrar-se-á. Mas é estranho, as vezes é muito estranho lembrar...

Experiencia que pode dar certo

Depois da proposta de trabalho recebida na frança, olha só o que eu encontro na estação de metro em Londres?? será que estas vieram do Brasil?





Não era pra ser uma viagem de férias, nem de auto-conhecimento, tampouco de auto-afirmação. Não...o objetivo era simplismente viajar. Viajar no sentido mesmo de ir, de se movimentar. Viajar tem um sentido tão profundo, que encerra em si qualquer necessidade de justificativa. A minha foi algo do tipo: "Vamos ver o que vemos". E quando as expectativas não existem são maiores as surpresas e, na proporção inversa, as decepções. Um grande exemplo, senão o melhor deles, foi uma grande amizade que acidentalmente - ou puramente por sincronicidade - eu conquistei. Um esboço de percurso que, a principio, deveria ser trilhado sozinha foi compartilhado a maior parte do tempo com uma pessoa que hoje posso chamar de minha grande amiga brisa fresca! E o Andreas...aquele menino esquisito que apareceu para dividir o quarto no albergue de Cartagena. A princípio calado demais, anti social, carinha de maluco, derrepente se tornou um excelente companheiro de viagem. Conviver aqueles quase 2 meses com Andreas e Isa foi comprovar empiricamente que amigos não se escolhem, se reconhecem. Tudo bem, poderíamos ter escolhido não irmos juntos de Cartagena a Santa Marta - que aliás foi uma das estradas mais bonitas por onde passei, por onde se podia avistar de um lado o mar, acompanhado de vegetação virgem com variados microtons verdes e do outro os mesmos microtons intercalados por pequenas lagoas, aves e raras flores - mas foi o reconhecimento tímido anterior que nos conduziu a escolher irmos juntos, os 3 de cartagena a Santa Marta, De Santa Marta à Cidade Perdida, da Cidade Perdida a Taganga (o nome desta cidade me remete ao codinome pelo qual eu costumava atender na infancia, quando meu pai me chamava), de Taganga ao Parque Tayrona. De Tayrona a Santa Marta, de onde Isa seguiu para Bogota para retornar ao Brasil e eu segui com o Andreas até Mompox, Medellin, Rio Claro e Bogotá. Nós tres compartilhamos muito mais que as risadas, o espaço na mochila ou no cofre do albergue, o pote de iogurte...Ha semanas atrás erámos meros desconhecidos e depois de algum tempo de convívio ja tínhamos uma especie de conta conjunta. Era uma caderneta onde anotávamos quem pagou a conta do mercado, quem pagou as passagens de ônibos, a conta do restaurante para depois, periodicamente, fazermos o balanço de saldo e debito de cada um, zerarmos a conta e começarmos outra vez. Ah, se eu tivesse levado a sério os conselhos da vovó de não confiar em estranhos, esse caminho teria sido tão frio, tão desprovido de cores. ..Alguem nesta viagem falou p Isa: A vantagem de viajar com amigos é que com eles se pode dividir memórias. Se eu relatasse o balanço sincronizado na rede sobrevoando as "Tayrona Lines", ou sobre acrise de riso em Arequipa, ou sobre as caminhadas rumo a cidade perdida não faria tanto sentido aqui. O meu amigo me perguntou: E aqual é a conclusão disso tudo? Não existe conclusão.!Aqui não se aplica aquele padrão de relatório com introdução-desenvolvimento-conclusão e anexos, daqueles que elaborava depois das aulas experimentais nos laboratórios do instituto de quimica ou de física. Até hoje, quase 2 meses depois de ter retornado eu ainda vomito memórias, afloro sentimentos, recordo sensações...

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Promoção


Vende-se tres linhas preenchidas com palavras
E que não se julgue vão o vazio entre elas
Aquele amontoado de letras
É pra disfarçar o "não" revelado nu
Sem nenhuma pitada de coração

domingo, janeiro 30, 2011

Estranho artista


Lendo o meu livro "100 años de soledad", agora marcado na página 62, olho para o marcador de páginas me lembro como ele chegou às minhas mãos.
A melhor coisa para se fazer em Veneza é caminhar pelas suas ruelas até se perder, tentar um caminho, se deparar com água, retornar e tentar outra vez . Um verdadeiro labirinto! E nesse jogo de tentativa e erro é possivel apreciar os seus encantos, a sua arquitetura, ateliês de arte, as suas vitrines cheias de guloseimas convidativas. Mas naquele dia eu andava sem a pretenção de me perder. O objetivo era chegar até a estação Santa Lucia a tempo de pegar o trem para Florenza, e eis que de lá, da lojnha de livros, quadros e papeis coloridos, aquele homem me chama, olho para tras e a pressa me faz continuar rumo a estação. Mas ele insiste e me convida para entrar.
-Quero te dar um presente - disse ele numa mistura de italiano e espanhol
-Não, obrigada, nao precisa se preocupar
-Por favor, eu quero te dar um presente, é muito rápido, não vai te atrapalhar
Projetei só metade do meu corpo para dentro da loja, para significar a minha pressa, mas ele ja foi estendendo mão, me entregando o marcador juntamente com um lapis com o mesma estampa.
-Nao, não precisa mesmo. Obrigada! Eu preciso ir para não perder o trem.
-Olha, eu sou um artista - E me mostrava na parede as suas obras - e eu gostaria de pintar um retrato seu.
Mas eu persistia em recusar, com o argumento de não perder o trem, e ele insistia. Disse que não levaria mais de 10 minutos, que pintaria o meu rosto e me daria o quadro como presente. Então eu pensei, por que não? Com um olhar de raio X avaliei a "segurança" do local. Ateliê, com portas de vidro, destrancadas, expostas a qualquer mortal que passasse na rua, e além do mais, seria a pintura do meu rosto, nada além do que estava exposto. Entao topei.
_Ok, tudo bem, mas não tenho muito tempo.
Então, ele me disse para acompanhá-lo, trancou o ateliê e começou a caminhar pelas ruas estreitas da cidade, até que virou á esquerda em uma delas e eu simplismente...não o segui....hehehe...fiquei com medo, sai correndo, entrei na proxima rua a direita e num zig zag fui parar na estação de trem. É fácil de se perder e fácil também de se livrar de estranhos artistas que se propoem a pintar o rosto de uma brasileira perdida em Veneza.

Tratamento de Choque


Era uma viagem que eu, supostamente deveria fazer sozinha, então, muito preocupado com a minha segurança, meu pai comprou para mim um aparelho de choque para defesa pessoal, cuja voltagem é de 1900KV . O que isso significa? Dá pra derrubar um e ainda sobram uns minutinhos para correr. Mas ele só deve ser utilizado, quando se tem a certeza que se tem para onde correr para buscar ajuda, enquanto o suposto agressor desfruta por alguns minutos do efeito do aparelho mágico. Durantee todos os meus 4 meses viajando pela America do Sul - terceiro mundo - eu nunca precisei utilizá-lo. Não apenas por não me sentir ameaçada, mas por que nunca o quiz portar comigo.


A casa 3 da Tiltwood St. tornou-se o meu endereço em Londres durante quase 2 meses; meu verdadeiro lar, onde deixei os meus poucos pertences espalhados, descansando do confinamento da mochila amarela. Na hora de arrumar as malas para partir para israel, cujo voo sairia no dia 06 de janeiro de 2011, precisei iniciar o processo bem cedo, com alguns dias de antecedencia, para me certificar de não estar esquecendo nada. No aeroporto em Amsterdã, onde fiz a minha conexão, a agente da imigração - muito simpática - me fazia perguntas que eu não estava acostumada a responder. Perguntava-me se eu mesma havia arrumado a minha mala, se eu sabia de tudo que ela continha, se eu fiquei com ela durante todo o trajeto até o aeroporto, se quem estava comigo no caminho era de confiança. Todas as respostas foram "Sim", acompanhadas de um olhar de estranheza. Bagagens de mão avaliadas pela máquina de raio X do aeroporto de Londres e de Amsterdã confirmaram as minhas respostas afirmativas, comprovando que nelas eu carregava apenas os itens permitidos. Chegando em Israel, ja devidamente acomodada, começo a "desconfinar" os meus pertences e eis que encontro na minha bagagem de mão o presentinho que papai havia me dado. O choque! Fiquei em Choque!Foi como ser atingida pelos 1900KV do aparelhinho, que de mágico poderia virar trágico.

O que apareceu para servir de defesa pessoal poderia ter me trazido sérias complicações, simplismente pela minha falta de atenção. Como explicar aquela arma branca na minha bagagem de mão?? Eu poderia estar nas páginas dos jornais, estampada como A TERRORISTA!