domingo, fevereiro 15, 2015

09-02-15 – Um caso para Sherlock Holmes


Senta que la vem a historia. E ela vai ser contada com todos os detalhes possiveis, pois detalhes que para nos sao irrelevantes, sao de mera importancia para uma investigacao.

Enquanto digitava o texto sobre a minha experiencia em Jaffna na mesinha da veranda do quarto 16 do French Garden, em Tincomalle, a energia despencou. Segundo informacao do dono do restaurante, era um problem que atingia toda a regiao e a companhia eletrica estimou 30 minutos para regularizar a situacao. Eram quase 19:00 e Udhayan tinha acabado de voltar de uma visita a um criatorio de peixes de um amigo do primo Punny. Ele deitou-se na rede pendurda nas arvores na frente da veranda e eu permaneci la, com lanterna do celular, na ansia de terminar de digitar as ultimas palavras, aproveitando os ultimos pontos de bacteria do laptop. Convencida pelos mosquitos, eu deixei os aparelhos na mesa e fui deitar-me com ele na rede - Nao lembro se neste momento a porta do quarto estava trancada ou nao. 

Tentamos pedir o jantar nos restaurants da frente e do lado, mas em funcao da falta de energia, os pedidos estavam suspensos. Guardamos nossas coisas no quarto, com excessao da rede, trancamos a porta e fomos tentar o restaurante da esquina, a 5 minutos dali. Voltamos saciados, apesar das poucas opcoes no cardapio e fomos direto pra rede. Um cochilo gostoso, brisa do mar, escuridao em noite de lua cheia (ou quase cheia) na beira da praia, barulho de ondas. As dimensoes da rede nos obrigava a ficar cada vez mais abracados, Lenine diria que "a gente deu no!" Uma tentacao para cair em sono profundo ali mesmo. Eu resolvi entrar para deixar tudo pronto, caso apagassemos de vez.  Peguei a chave no bolso dele, uma vela que o pessoal da pousada tinha deixado acesa em cima da mesa e trouxe pro quarto. Escovei os dentes, sacudi e forrei a cama, abri o mosqueteiro, prendendo-o ao redor do colchao, coloquei uma blusa mais confortavel, abri as janelas – as quais tinham uma grade e uma tela com apenas dois buracos para possibilitar abri-las - e coloquei uma canga como Cortina, trouxe a vela, ainda acesa, de volta pra mesa, tranquei a porta e voltei ra rede, colocando as chaves de volta no bolso dele. O casal de franceses que esta no quarto ao lado tinha ido caminhar na praia. Alguns rapazes que estao hospedados na mesma pousada permaneceram no bar da frente. Pessoas transitavam com lanternas na cabeca jogando luz nos nossos olhos. 

Os primeiros pingos de chuva me convenceram a curtir aquela maresia gostosa na cama, ate desabar de vez. Recolhemos a rede, eu fui na frente abrindo a porta enquanto Udhayan retirava os suportes  da rede pendurados na arvore e fui direto pra cama, depois de prender novamente o mosquiteiro na quina do colchao. Udhayan, depois de escovar os dentes, trancou a porta e foi deitar-se. Como nao tinhamos ventilador, com medo de sermos devorados pelos mosquitos, eu cogitei a possibilidade de dormirmos com as portas abertas, por isso, antes de ir deitar, tinha juntado os nossos pertences de valor (camera digital, go pro, dois celulares, lap top, etc.) na mesinha de cabeceira do lado esquerdo da cama, debaixo de alguns chapeus e cangas. Ao ouvir Udhayan tramcar a porta eu me decepecionei: Por onde a brisa gostosa da praia iria entrar?

-Voce trancou a porta?
-Tranquei, por que?
A gente vai morrer de calor aqui.
-Verdade, me sinto dentro de uma caixa fechada.

Mas a porta permaneceu la. Com o ferrolho trancando-a! Uma barreira entre nos e a brisa do mar. No meio da noite, por volta das 22:00,  a energia voltou, religando o ventilador e acendendo a luz da varanda. Udhayan levantou-se desligou a lampada, trancou o ferrolho da porta, ja que por dentro nao eh possivel trancar com chave ou cadeado, e voltamos a dormir. ME lembro de no meio da noite acordar e ir mais pro centro da cama, pois o mosqueteiro perto do colchao causava um certo desconforto. Por volta da 1:00 da madrugada, num estado entre dormindo e acordada, ao me virar na cama, minha mao direita alcancou uma parte de um corpo masculino. Fiquei confusa, pois Udhayan havia deitado do lado esquerdo da cama. Estendi a mao esquerda para conferir e, de fato, Udhayan estava la, domeu lado esquerdo. Estendi novamente e confirmei a presenca de homem na cama ao tocar com a minha mao direita uma perna masculina vestida numa Bermuda. Meu Deus, existe uma pessoa na cama alem de mim e Udhayan. Pela posicao da perna, eu diria que ele estava ou se deitando ou se levantando. A partir desse momento, a gente perde a nocao de tempo. Estava tudo muito escuro, eu nao conseguia ver nada a um palmo dos meus olhos, apenas o tato me ajudou nesta constatacao. Calmamente, eu falei para UDhayan:

-Tem uma pessoa aqui na cama.

Ele acordou desnorteado e gritou

-Ei!!!!


Repito, a nocao de tempo se perde! A gente nao enxergava nada! Lembro de um livro que li, que chamava-se “Os sonhos de Eistein”. Ganhei de presente do meu professor de termodinamica, Ernesto. O livro eh um conjunto de contos que apresenta diferentes nocoes de tempo. Um dos contos relata um tempo como uma linha reta, que se divide em infinitos pedacos, pega-se um desses pedacos infinitesimais e joga-se fora, recompondo-se a linha reta posteriormente. Foi exatamente assim que sentimos. Lembro de lapsos Udhayan gritando, o cara se levantando pulando o muro da veranda e um vulto na praia correndo enquanto eu e ele gritavamos desesperados na porta do quarto. Udhayan da mesma forma, nao consegue lembrar com clareza o que aconteceu entre o seu acordarde sobressalto e o vulto correndo na praia. Ninguem apareceu, eram apenas gritos, atte que Udhayan gritou “ladrao” e eu pedi “Socorro”. Pouco depois o vigia da pousada, um senhor de uns 50 anos, outra funcionaria da e o casal de franceses do quarto ao lado  apareceram. Meu corpo tremia! Me arrepiava a cada segundo. Era um choro preso que insistia em nao sair. Nada me aconteceu gracas a Deus. Tenho certeza que se ele tivesse me tocado eu teria sentido. Mas a senacao de acordar com um homem deitado na nossa cama, no meio da escuridao da madrugada, obviamente com a intencao de me estuprar, era desesperadora. NADA, absolutamente NADA foi rubado! Nossas coisas foram sequer remexidas. No meio dessa agonia, percebi que o rosto de Udhayan sangrava muito e ele tinha um pedaco de papel estanando o sangue. Ao pedir pra ver, me assustei com o tamanho e a profundidade do corte no supercilho. que lhe rendeu 7 pontos e um inchaco arroxeado no olho direito. Naquele momento imaginamos que tivesse sido porta, mas percebemos uma outra marca de pancada no lado direito da face e um arranhao na altura da barba. Ele nao sabe precisar. Deve ter tido um lapso de segundo arrancada da sua linha de tempo, como nos sonhos de Eistein, mas teve a impressao de ter segurado o cara com as maos, ate que a pancada no olho o desnorteou. Estava tudo muito escuro! A unica justificativa seria uma faca ou soqueira na mao do delinquente, a configuracao da porta nao produziria um ferimento daquele jeito, com aquela profundidade e ainda mais acompanhado de alguns arranhoes. Os funcionarios da pousada, assustados, pediram que esperassemos ate o amanhecer, para irmos ao posto de saude, mas ao telefonar para o amigo do primo Punny, aquele da criacao de peixes, descobrimos que havia um hospital geral na cidade, aberto 24h. Fomos no hospital para que ele pudesse tratar do ferimento. No meio desta agonia ainda conseguimos rir com o coemntario do medico, quando ele disse "All is Vel", fazendo alusao ao filme indiano 3 idiotas que assistimos (e adoramos) ha uns meses. Demos queixa na policia – um processo dequase 2 horas, arrumamos nossas coisas e saimos imediatamente da cidade (estamos viajando de carro). Nunca fui tao grata a Deus por ter o sono leve. Eu, brasileira, sai ilesa do meu pais, tao famoso pelos indices de violencia e vim passar esse susto aqui, onde o indice de criminalidade eh quase zero. 

O unico crime do qual tinha sido vitima por aqui foi o roubo de um pacote de sabao por um passaro preto, que nao conseguiu segura-lo por muito tempo, no mesmo French garden.


Foto tirada no dia anterior ao fato.



Um comentário:

Anônimo disse...

O teu sono leve e a desconfiança te salvaram, Cinthia. Por pouco não aconteceu o pior.

Coisas da vida.

Max.